terça-feira, 15 de maio de 2012

História do Plastimodelismo no Brasil - Parte - 2

Iniciando a segunda e última parte desta postagem, com um depoimento histórico do Sr. Maurício Nhuch, genro do Sr. Arno Kikoler e também um pioneiro da atividade do plastimodelismo no Brasil:



"Comecei a trabalhar em 1957, na firma que se chamava: Estúdio Fotográfico Arno Kikoler e também na firma A. Kikoler que tinha uma bem pequena importação de material fotográfico. Quando casei em 1958 fui a Nova York e vi, no Museu de História Natural, pela primeira vez um modelo de plástico, da Aurora, para montar um cavaleiro medieval. Confesso, como muito curioso, que achei interessante, mas nem cheguei a comprá-lo, pois à primeira vista me pareceu meio complicado.

Quando voltei ao Brasil, trouxe junto um trem Lionel e quando notei que não bastaria ter só o trem e que teria também que fazer uma maquete, me desinteressei e resolvi vender o trem. Apareceu um comprador que após adquiri-lo, pensando que eu teria outros produtos, me perguntou se eu não teria kits Revell para vender.

Ele trazia na mão um modelo ainda na embalagem, e quando eu vi, foi que associei o modelo do avião ao cavaleiro medieval. Só que um avião realmente era um modelo bem mais atraente para mim. Ele me deu um valor que pagaria pelo kit, o que me surpreendeu pois achei alto. Então me ocorreu que talvez fosse possível importar o kit legalmente e vendê-lo pelo preço que me deu. Falei o assunto com o Sr. Kikoler que concordou que eu mandasse uma carta a Revell pedindo catálogo e lista de preços.

Quando este material chegou, informei-me das tarifas alfandegárias, calculamos os custos e vimos que era possível vendê-lo a preços que o mercado poderia pagar. Nesta altura esbarramos com o grande problema de capital, pois a firma não o tinha para uma empreitada deste porte. Se este problema não fosse resolvido - nada feito.

Botei a cabeça para pensar e vi uma possível solução. Visitei as firmas potencialmente interessadas e consegui fazer vendas com pagamento antecipado, ou seja, pedido acompanhado de cheque. Parecia uma solução ousada, mas achei que valia a pena tentar e valeu. Na época uma importante loja de brinquedos na Rua da Assembléia (Casa Waldemar), no centro do Rio, topou a parada imediatamente, já que conhecia o produto, pois o vendia informalmente e gostaria muito tê-lo legalmente.

Outra firma que topou foi a loja Dom Pixote, que ficava na Rua Santa Clara, em Copacabana. Animado ofereci também à loja Hobbylandia (Grande Sr. Morimoto e sua equipe que aturou muita gente por toda a infância e adolescência naquela loja cheia de aviões no teto e carros nas vitrines...). Enfim, como estas firmas fizeram pedidos substanciais, foi possível enviar um primeiro pedido a Revell, que na época ficava em Venice, Califórnia.

Curioso é que usei o mesmo processo anos mais tarde (em firma minha) e obtive um pedido com pagamento antecipado numa firma que, contando hoje, ninguém acreditaria: Sears Roebuck (onde hoje é o Botafogo Praia Shopping, no Rio). Os tempos eram outros, sem dúvidas. Tenho orgulho em constatar hoje, que antes do prazo combinado com a Sears, entreguei as mercadorias.

Obviamente neste primeiro pedido Revell não foi comprado somente o que foi vendido antecipadamente, mas com o que sobrou, após serem atendidos aqueles clientes, foram atendidos outros clientes e em poucas horas tudo foi vendido, o que nos animou muito para imediatamente fazer um segundo pedido.

Foram feitas apenas umas 3 ou 4 importações quando pensamos na possibilidade de fabricar Revell no Brasil, com os moldes enviados dos Estados Unidos. Consultada a Revell esta respondeu que eles já tinham este tipo de acordo com outros paises e viam com bons olhos tê-lo no Brasil também. Animado o Sr. Kikoler foi aos Estados Unidos para efetivar um contrato.

Tínhamos combinado que quando fosse o momento de escolher os modelos, ele mandaria um Western (um confiável serviço de telegramas existente na época, já que telefonema na era pré-satélite era uma desgraça). O Sr. Kikoler telegrafou com uma lista de uns 10 modelos para serem escolhidos os primeiros três. Fui com esta lista a algumas lojas, para trocarmos idéias e para escolhermos os modelos. No final das contas foram escolhidos três aviões: o avião de passageiros (um Boeing 707), um avião da II Guerra (O Liberator B-24) e um avião militar moderno (B-52).

Quando os moldes destes três modelos chegaram, levamos um susto. Cada um pesava cerca de uma tonelada e as dimensões eram enormes para os padrões brasileiros. Explicando: cada molde injetava todas as peças de um avião completo (se estes moldes fossem concebidos nos Brasil haveria 3 ou 4 moldes menores produzindo um modelo). Havia moldes menores para injetar as peças transparentes, mas estes não representavam problemas. Como, de início esta produção era terceirizada, após muito procurar, descobriu-se com certo horror que pelo menos um dos moldes (Boeing 707), no Rio não havia nenhuma firma com máquina injetora capaz de produzi-lo.

Foi então enviado a São Paulo. Foi produzido por uma empresa que fazia peças de plásticos para automóveis, coligada da TROL S.A. Indústria e Comércio, que pertencia ao Sr. Dílson Funaro, que foi Ministro da Fazenda na década de 80. O atendimento pessoal do Sr. Funaro nesta primeira empreitada foi perfeito e de grande valor.



O único componente que era efetivamente importado era o molde. Embalagem, decalcomanias, folhas de instruções era tudo produzido localmente. O plástico usado na injeção (poliestireno) era nacional.



Este foi o início dos modelos Revell no Brasil. Foram produzidos centenas de modelos e a firma sempre enfrentava dificuldades de capital, pois como cada modelo era totalmente produzido (cada molde podia ficar poucas semanas no Brasil) e a produção era para uma expectativa de venda de dois anos, daí o problema financeiro, pois produto tinha que ser estocado para uma venda presente e futura. O giro de capital era bastante lento e a firma trabalhava principalmente com financiamentos bancários, para levantar o capital para estes investimentos, o que financeiramente era um grande problema, pois aumentava muito os custos, conseqüentemente diminuindo os lucros.
A A. Kikoler fez ampla campanha publicitária, catálogos, concursos e tinha até um departamento para montagem de modelos utilizados como demonstração em vitrines de lojas. O mercado dizia que cada kit deveria conter um tubo de cola. (em outros paises a cola era vendida separadamente). A A. Kikoler produziu esta cola e também conjuntos de tintas para quem quisesse obter o máximo da montagem de seus modelos.



Trabalhei na A. Kikoler até o final de 1963, quando sai para usar a experiência no desenvolvimento de outros produtos. Continuei este trabalho na firma que fundei, Roly Toys, trabalhando com outras marcas de kits plásticos e fizemos importações de Airfix e kits Matchbox. Também fabricamos alguns modelos da marca Frog e fomos representantes dos carrinhos Marjorette aqui no Brasil e chegamos a lançar alguns por aqui, onde eram montados os carros e os chassis eram fabricados aqui com o nome do modelo, o selo "ind. Bras" e o nome KIKO.


Uma curiosidade dos kits Revell que acho interessante contar é que quando houve aquele negro período nos Estados Unidos, chamado de McCarthismo, o Sr. Louis Glazer que era o presidente e fundador da Revell foi denunciado no Congresso por ter fornecido informações secretas aos inimigos (Russos), pois em qualquer loja estava à venda o kit do submarino Nautilus, que continha segredos militares.

Isso foi uma confirmação pública das autoridades americanas que os kits Revell eram de fato "authentic kits". Claro que o Sr. Glazer foi ao Congresso Americano e disse que qualquer um poderia obter estas mesmas informações se consultasse livros a disposição de qualquer um na Biblioteca do Congresso ou em livrarias. Depois disso as vendas dos kits aumentaram muito, pois ninguém mais teria dúvidas da qualidade da reprodução dos detalhes. Pode-se imaginar como o Sr. Glazer deve ter se divertido quando os jornais estampavam em primeira página esta denúncia.



E assim começou a Revell no Brasil... Depois de estabelecida, a A.Kikoler / Revell, patrocinou muitos eventos, concursos, tinha sempre novidades em seus catálogos anuais e  fazia mídia nas revistas infantis da Abril.
 










Com o fechamento da fábrica no anos de 90/91, muitos modelistas se viram "órfãos", e o plastimodelismo no Brasil teve um decréscimo assustador de integrantes, que só voltou a crescer com a abertura das importações no governo Collor.

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Completando a história da A. Kikoler Indústria e Comércio de Plástico, Leslie Kikoler, dá um emocionado depoimento que vem completar definitivamente a trajetória da fábrica que fez o sonho de milhares de crianças no nosso país:


1- O fator decisivo para produzir os kits REVELL no Brasil, e não mais importar os kits prontos dos Estado Unidos, foi a proibição de importação de brinquedos no Brasil. Isto fez com que meu pai, Sr. ARNO KIKOLER, fosse à matriz da REVELL nos Estados Unidos, e após um grande esforço de convencimento, utilizando toda sua capacidade de transmitir credibilidade pessoal, e do Brasil, finalmente fez com que o Presidente da REVELL norte-americana confiasse praticamente toda a sua coleção de moldes para a produção no Brasil, segundo um cronograma de remessas destes moldes previamente agendado.

É importante lembrar que, naquela época, o Brasil certamente não possuía a imagem e credibilidade internacionais que tem hoje. O esforço pessoal de meu pai foi decisivo para que a produção nacional da A. KIKOLER COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PLÁSTICOS S/A tivesse o desenvolvimento e sucesso alcançado.

2- Em 1963 o Sr. Maurício Nhuch sai da A KIKOLER para fundar sua própria empresa de kits plásticos, voltando a trabalhar conosco, após fechar a mesma (a esta altura, eu já era sócio e diretor da A KIKOLER, tendo iniciado minha atuação profissional na A. KIKOLER em 1972) e ficou trabalhando conosco até aproximadamente 1985, tendo saído quando a crise financeira no Brasil tornava muito difícil a sobrevivência das pequenas e médias empresas.

3- Apesar de ser filho do Sr. ARNO KIKOLER – dono da REVELL, meu pai fez questão que eu conhecesse todos os setores da empresa. Então, comecei como vendedor da REVELL, enquanto ainda cursava a universidade. Quando me formei, como Engenheiro, fui trabalhar com as injetoras de plástico, como operador de máquina. Depois ocupei o cargo de supervisor de produção. Finalmente, após alguns anos, tornei-me Diretor Industrial da empresa.

4- Com o agravamento da crise financeira do Brasil, inflação galopante, e juros extorsivos, e com a doença avançada de meu pai, que o impedia de participar no dia-a-dia da empresa, não tive outra opção: encerrar as atividades e vender o estoque, as máquinas e os imóveis industriais. É importante que fique claro: A A. KIKOLER COM. IND. DE PLÁSTICOS S/A não pediu concordata nem faliu. Simplesmente encerrou suas atividades, vendendo todo seu ativo para pagar o passivo. Foram anos muito difíceis! Mas todos os débitos com funcionários, fornecedores e bancos foram respectivamente honrados. E eu me orgulho de ter pessoalmente, e sozinho, conduzido este processo, apesar de alguns dissabores e eventuais tristezas.

4- Por tudo isto, gostaria de deixar registrado que tenho imenso orgulho de meu pai, Sr. ARNO KIKOLER, que com sangue, suor e lágrimas – e muito trabalho, conseguiu criar e desenvolver a REVELL do Brasil, a partir do zero, utilizando apenas sua capacidade empresarial, seu bom senso e seu carisma pessoal. E também gostaria de registrar a grande tristeza de meu pai, já em seu leito no hospital, em não poder estar ao meu lado para conduzir a empresa através de épocas tão turbulentas. Que isto fique registrado como MINHA HOMENAGEM PESSOAL a meu querido pai, maior responsável pela REVELL do Brasil – alegria de milhares de crianças como eu, você, e toda a geração REVELL
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Nota do Autor do Texto:


O Sr. Arno Kikoler faleceu há alguns anos.


Não tenho palavras para agradecer a atenção, o carinho e amizade do senhor Maurício Nhuch e de Leslie Kikoler, que muito pacientemente me atenderam e deram esses depoimentos tão interessantes e importantes para resgatar parte da memória do plastimodelismo no nosso país.


E a Leslie Kikoler agradeço muito pelo material que me forneceu, o qual junto com o material que tenho e mais o que foi-me enviado por colegas, e porque não, amigos modelistas de várias cidades do Brasil. Material esse que disponibilizo agora em forma de um "museu virtual", da A. Kikoler Industria e Comércio de Plásticos SA, conhecida por três décadas pelas crianças brasileiras como Revell!


Roberto Tumminelli


(Autor do texto)


Nota do Autor do Blog:

Texto e imagens retirados do site: http://www.obvio.ind.br/
ao qual o autor deste blog agradece pela oportunidade de poder compartilhar
tão valiosa informação histórica sobre o plastimodelismo nacional.

Espero que tenham apreciado,

Mais novidades no próximo post

Forte Abraço!
Osmarjun

Um comentário:

  1. Muito bom essa série de posts sobre a história da Revell no Brasil através do testemunho de quem participou fazendo história realmente ! Eu fui um dos que se alegraram muitíssimo montando dezenas de kits na adolescência e juventude.
    Valeu pelo post !
    Não encontrei no site do Obvio o post original, só mostra o carro eletrico 828 deles.

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